Seria uma crueldade deixar passar em branco o dia de ontem.
O mundo das artes tornou-se infinitamente mais pobre desde o dia dezoito de Junho. Desapareceu um dos maiores escritores portugueses de sempre, o único capaz de igualar Eça e Pessoa. Não consigo descortinar razões que me impeçam de o dizer : Saramago foi um GÉNIO no sentido mais puro da palavra, e decerto assim será recordado pelas gerações futuras. Desejo muita paz a todas as medíocres almas que se insurgem contra as homenagens que a Saramago são prestadas, afirmando que foi a sua postura sempre crítica um desrespeito pela cultura portuguesa e negando o contributo ímpar da sua obra para as literaturas portuguesa e mundial.
Creio que Portugal não soube jamais reconhecer a genialidade desta sua personagem ribatejana, e por assim ser apetece-me usar as palavras escritas pelo próprio Saramago a respeito de Maria João Pires : "não teve muita sorte com o país onde nasceu." Este filho adoptivo das ilhas Canárias, este homem de modestas origens foi a personificação da eloquência e de uma postura cívica notável, manifestando por numerosas vezes o seu apoio a causas de defesa dos direitos humanos e a sua admiração pelos vultos cimeiros da cultura nacional e internacional e, enfim...o mundo é mais triste desde a sua partida. Eu sou deveras mais triste desde a sua partida, as minhas leituras ficarão mais pobres agora que já não está entre nós.
Há quem nasça definitivamente com uma estrela especial, talhada para marcar e mudar o mundo, e Saramago era por certo uma dessas pessoas. E agora, neste momento de profundo pesar e de vénias infinitas perante o seu legado, é com emoção que se pasma perante a simplicidade daquele cuja vontade mais profunda é a de ser relembrado como o homem que criou o cão das lágrimas e cujo desejo final se reduz a um tranquilo repouso debaixo de uma árvore no jardim da sua casa em Lanzarote, sem qualquer inscrição, e que de quando em vez lá lhe coloquem uma "florzita" para que não sinta que foi esquecido. Fique descansado, senhor José Saramago, que o esquecimento é palavra que não se usa quando de pessoas como o senhor se fala, e sim, será recordado não como o homem que criou o cão das lágrimas, mas sim como o próprio cão das lágrimas que tão bem soube consolar a mulher do médico no "Ensaio sobre a cegueira". Até sempre.
sábado, 19 de junho de 2010
Missa de Aniversário
"Há um ano que os teus gestos andam
Ausentes da nossa freguesia
Tu que eras destes campos
Onde de novo a seara amadurece
Donde és hoje?
Que nome novo tens?
Haverá mais singular fim de semana
Do que um sábado assim que nunca mais tem fim?
Que ocupação é agora a tua
Que tens todo o tempo livre à tua frente?
Que passos te levarão atrás
Do arrulhar da pomba em nossos céus?
Que te acontece que não mais fizeste anos
Embora a mesa posta continue à tua espera
E lá fora na estrada as amoreiras tenham outra vez florido?
Era esta a voz dele assim é que falava
Dizem agora as giestas desta sua terra
Que o viram passar nos caminhos da infância
Junto ao primeiro voo das perdizes
Já só na gravata te levamos morto àqueles caminhos
Onde deixaste a marca dos teus pés
Apenas na gravata. A tua morte
deixou de nos vestir completamente
No Verão em que partiste bem me lembro
Pensei coisas profundas
É de novo verão. Cada vez tens menos lugar
Neste canto de nós donde anualmente
Te havemos piedosamente de desenterrar
Até à morte da morte"
Missa de Aniversário, de Ruy Belo
Ruy Belo tornou-se, nos últimos tempos, um autor de eleição para mim. A sua obra, história e pensamento despertam-me uma grande curiosidade. Achei este poema de uma beleza sublime; apaixonei-me por ele à primeira leitura e reli-o inúmeras vezes em voz baixa, em alta voz e em sussurros. Não creio ter lido muitos textos que tão bem descrevessem a perda de alguém e o vazio deixado pelo seu desaparecimento...
Ausentes da nossa freguesia
Tu que eras destes campos
Onde de novo a seara amadurece
Donde és hoje?
Que nome novo tens?
Haverá mais singular fim de semana
Do que um sábado assim que nunca mais tem fim?
Que ocupação é agora a tua
Que tens todo o tempo livre à tua frente?
Que passos te levarão atrás
Do arrulhar da pomba em nossos céus?
Que te acontece que não mais fizeste anos
Embora a mesa posta continue à tua espera
E lá fora na estrada as amoreiras tenham outra vez florido?
Era esta a voz dele assim é que falava
Dizem agora as giestas desta sua terra
Que o viram passar nos caminhos da infância
Junto ao primeiro voo das perdizes
Já só na gravata te levamos morto àqueles caminhos
Onde deixaste a marca dos teus pés
Apenas na gravata. A tua morte
deixou de nos vestir completamente
No Verão em que partiste bem me lembro
Pensei coisas profundas
É de novo verão. Cada vez tens menos lugar
Neste canto de nós donde anualmente
Te havemos piedosamente de desenterrar
Até à morte da morte"
Missa de Aniversário, de Ruy Belo
Ruy Belo tornou-se, nos últimos tempos, um autor de eleição para mim. A sua obra, história e pensamento despertam-me uma grande curiosidade. Achei este poema de uma beleza sublime; apaixonei-me por ele à primeira leitura e reli-o inúmeras vezes em voz baixa, em alta voz e em sussurros. Não creio ter lido muitos textos que tão bem descrevessem a perda de alguém e o vazio deixado pelo seu desaparecimento...
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