sábado, 19 de junho de 2010

Missa de Aniversário

"Há um ano que os teus gestos andam
Ausentes da nossa freguesia
Tu que eras destes campos
Onde de novo a seara amadurece
Donde és hoje?
Que nome novo tens?
Haverá mais singular fim de semana
Do que um sábado assim que nunca mais tem fim?
Que ocupação é agora a tua
Que tens todo o tempo livre à tua frente?
Que passos te levarão atrás
Do arrulhar da pomba em nossos céus?
Que te acontece que não mais fizeste anos
Embora a mesa posta continue à tua espera
E lá fora na estrada as amoreiras tenham outra vez florido?

Era esta a voz dele assim é que falava
Dizem agora as giestas desta sua terra
Que o viram passar nos caminhos da infância
Junto ao primeiro voo das perdizes

Já só na gravata te levamos morto àqueles caminhos
Onde deixaste a marca dos teus pés
Apenas na gravata. A tua morte
deixou de nos vestir completamente

No Verão em que partiste bem me lembro
Pensei coisas profundas
É de novo verão. Cada vez tens menos lugar
Neste canto de nós donde anualmente
Te havemos piedosamente de desenterrar
Até à morte da morte"


Missa de Aniversário, de Ruy Belo


Ruy Belo tornou-se, nos últimos tempos, um autor de eleição para mim. A sua obra, história e pensamento despertam-me uma grande curiosidade. Achei este poema de uma beleza sublime; apaixonei-me por ele à primeira leitura e reli-o inúmeras vezes em voz baixa, em alta voz e em sussurros. Não creio ter lido muitos textos que tão bem descrevessem a perda de alguém e o vazio deixado pelo seu desaparecimento...

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